Vinte anos depois, estamos na Matrix
Para o psicanalista anglo-indiano Wilfred Bion, enquanto não enfrentarmos a dor de buscarmos nossa verdade, esbarraremos nas mentiras construídas por nós mesmos. Para ele, essa seria a base da arrogância.
Pois bem, um bom mentiroso vive povoado de lembranças, imagens e vestígios de si e da realidade. Usa isso para construir um mundo conforme sua própria versão e, assim, ele vai se entrelaçando num emaranhado sem fim de negações e artifícios.
Ao observarmos as pessoas nas redes sociais online, o que vemos? Rostos felizes, corpos exuberantes, frases de efeito, ódio destilado com fel, discursos de intolerância, enfim, a Matrix do século XXI não é uma reedição reconfigurada da Matrix de Neo e Morpheus que conhecemos no cinema duas décadas atrás.
Na verdade, se revisitarmos o filme, constataremos que nós estamos na Matrix. Veja bem, da mesma forma em que há 20 anos Morpheus convidou Neo para escolher entre a pílula vermelha e a azul, hoje, os convites, likes e deslikes, os comentários e respostas são pílulas que, em segundos, no impulsionar de nossos dedos, nos lançam para um mundo onde os disfarces são aceitos como fórmulas de juventude e amizade, os comentários são fonte de distorções e contorções da acidez odiosa.
A Matrix de hoje espelha um narciso que se encanta cada vez mais com a própria imagem. A Matrix em que estamos inverteu o conceito de sensibilidade e afeto, fez das imagens e palavras os braços imaginários que nos alcançam, mais com tapas do que com abraços.
O olhar face a face, o toque e o cheiro não mais impactam nosso cérebro. A fronteira que define o humano, o sujeito da fala e da linguagem (como diria o psicanalista francês Jacques Lacan), se esvai quando nos perdemos por horas nos Face, Whats e Insta e nos cindimos do mundo. Nesse momento, nós e a Matrix somos uma mesma coisa. Matrix(iamos).
Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca
Psicólogo/Psicanalista - Ciclos Espaço Terapêutico